Covid-19: O desafio de abrir novos leitos e fazer escolhas certas para salvar vidas

No pior momento da pandemia, hospitais continuam correndo atrás de equipamentos e insumos para atender pacientes com a Covid-19. Conheça os desafios enfrentados pelo HSVP de Bom Jesus de Itabapoana, um dos hospitais afiliados à Femerj que está atuando na Linha de Frente no combate ao novo coronavírus
Natália Oliveira

Há mais de um ano, o mundo está sendo desafiado por um inimigo invisível, mas que vem causando estragos históricos na nossa sociedade. O novo coronavírus, que hoje já conhecemos um pouco melhor, está obrigando a humanidade a se transformar. Mudar a forma de viver e conviver, a forma de se relacionar, de cuidar da saúde, de trabalhar e sustentar a família. O sistema de saúde também precisou se reconstruir. Diante do desconhecido, médicos, enfermeiros, pesquisadores, fisioterapeutas, nutricionistas, radiologistas, gestores de hospitais e todos os profissionais na linha de frente correram contra o tempo para buscar respostas para salvar vidas. Avançamos muito em pouco tempo e graças a esses heróis continuamos firmes nessa luta.

Os hospitais filantrópicos fizeram e continuam fazendo a diferença em cada batalha contra a Covid-19. Mesmo com todas as dificuldades financeiras e com profissionais exaustos, todos os dias essas instituições se entregam em defesa da vida. Nós da Femerj nos emocionamos com tantas histórias de superação, de vidas salvas, de gratidão, de amor, de solidariedade, de entrega e dedicação de cada um dos nossos afiliados. O Hospital São Vicente de Paulo, de Bom Jesus de Itabapoana que fica na região noroeste fluminense, é uma das entidades que desde o início tem tocado nossos corações por toda força e coragem no enfrentamento à pandemia.

Linha de Frente Covid-19: HSVP Bom Jesus de Itabapoana

Dia 15 de maio de 2020: primeiro paciente internado no HSVP com Covid-19. 

Atender pacientes com o novo coronavírus e se tornar um hospital de referência regional no tratamento da doença foi uma escolha. O HSVP escolheu enfrentar o desafio e, mais do que nunca, abraçar o papel filantrópico de salvar vidas por desde o primeiro dia acreditar que era possível. Ao mesmo tempo, a escolha também significou manter o hospital funcionando diante de um colapso na saúde. Com as cirurgias eletivas e o atendimento ambulatorial suspensos, aceitar o desafio de estar na Linha de Frente no enfrentamento da Covid era também uma questão de sobrevivência.

Inicialmente com 12 leitos de UTI e 40 de enfermaria dedicados a pacientes infectados pelo novo coronavírus, o Hospital São Vicente de Paulo recebeu pessoas de toda a região noroeste do estado e também do norte fluminense. Em junho, foi necessário expandir. Mais uma Unidade de Terapia Intensiva foi inaugurada, com dez leitos Covid que precisavam ser habilitados pelo Ministério da Saúde. Só assim, o hospital poderia receber recursos para colocar os leitos em funcionamento de forma emergencial por 90 dias. Essa habilitação demorou de ser concedida e com a grande demanda, a administração do HSVP decidiu assumir as contas e começar a atender os pacientes encaminhados pelo SUS nesses novos leitos.

novas UTIs - HSVP

Confira o vídeo da inauguração dos novos leitos de UTI

Mais uma vez, voltamos a falar de escolhas. Nessa pandemia, o tempo todo os profissionais de saúde precisam fazê-las. Segundo Victor Pavan , diretor administrativo do hospital, o HSVP não fugiu das responsabilidades e escolheu sempre salvar vidas:

“Nós abraçamos a causa, como hospital filantrópico que somos. Foi um desafio enorme. Montar as unidades, comprar equipamentos. É muita coisa acontecendo em um curto espaço de tempo . Nossa grande dificuldade foi a habilitação dos leitos. Trabalhamos 45 dias sem receber os recursos da União. Por conta disso tivemos nossas contas rejeitadas, chegamos a ter 2 milhões de reais em financiamentos. A sorte foi que conseguimos fazer um acordo com o governo do estado do Rio que assumiu a nossa dívida. Como eles tinham regulado os pacientes encaminhados para nossas UTIs, reconheceram nosso trabalho e pagaram o que precisava ser pago” – Victor Pavan

Hoje o Hospital São Vicente de Paulo de Bom Jesus de Itabapoana tem 45 leitos de UTI e 40 leitos de enfermaria dedicados ao atendimento de pacientes com Covid. O hospital está pleiteando mais uma Unidade de Terapia Intensiva, que vai colocar à disposição mais dez leitos para receber pacientes graves. A expectativa é que esses leitos fiquem prontos até o final dessa semana e sejam ocupados de imediato. Victor explicou que além da habilitação, outra dificuldade é a compra de insumos. Segundo o diretor, alguns materiais e medicamentos tiveram um aumento de 1000% no preço, do início da pandemia até agora. Isso inclui remédios necessários para o processo de intubação dos pacientes e luvas de procedimentos.

Pior momento da pandemia: ocupação de leitos chega a 100%

Durante o ano de 2020, a taxa de ocupação dos leitos do HSVP ficou em torno de 92%, mesmo com a constante abertura de Unidades de Terapia Intensiva. Atualmente, com o aumento do contágio, o surgimento de novas variantes e o agravamento da doença principalmente em pacientes jovens, há mais de 30 dias o hospital está com 100% dos leitos ocupados. “Essa nova onda está mais grave. Estamos notando uma grande demanda reprimida que tem feito com que os pacientes cheguem ao hospital muitas vezes direto para a intubação. Além da luta ser maior, os custos por cada um desses pacientes também são mais elevados. Desocupamos um leito, em meia hora já está ocupado. É só o tempo de desinfectar”, descreveu o administrador do hospital. 

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Neste momento, o HSVP que sempre deu conta da região está com uma fila de 10 a 15 pessoas aguardando vaga para internação. Municípios como Itaperuna e Santo Antônio de Pádua estão vivendo um estado de descontrole na transmissão do vírus e, por isso, muitos pacientes desses municípios vizinhos estão sendo encaminhados pela Central de Regulação do Estado para Bom Jesus de Itabapoana. Até o final de março de 2021, o Hospital São Vicente de Paulo já tinha atendido mais de 8 mil diárias de UTI Covid pelo SUS. Victor Pavan explicou que hoje já se tem um protocolo melhorado de procedimentos e medicamentos, uma taxa de recuperação melhor dos pacientes,  uma taxa maior de saída da intubação, mas a demanda está muito alta e isso aumenta o risco. Além disso, o diretor lembra que apesar dos avanços ainda não existe um tratamento 100% eficaz para a Covid-19.

“É muito complicado. O mesmo antibiótico funciona super bem em alguns pacientes e em outros não dá respostas. Perdemos alguns profissionais: o diretor técnico do hospital e o responsável pela tomografia. Nosso presidente também ficou muito mal, teve mais de 70% de comprometimento pulmonar, mas conseguiu se recuperar. A esposa dele não. A evolução do quadro dela foi galopante. De um dia para o outro o comprometimento pulmonar dava um salto, sem contar que o vírus atingiu o coração. Em cinco dias perdemos ela”, contou Victor, lembrando da saga dos profissionais de saúde do hospital que vivem com a mesma intensidade tanto as perdas, quanto a alegria de salvar um paciente.

Contratação de profissionais e compra de equipamentos

O Hospital São Vicente de Paulo quase dobrou o quadro de funcionários para atender a demanda da pandemia e para conseguir colocar as novas UTIs em funcionamento. De 300 contratos de trabalho, hoje a unidade tem mais de 500, sem contar os médicos. Para uma UTI Covid funcionar são necessários muitos profissionais e uma equipe multidisciplinar, incluindo por exemplo fisioterapeutas e nutricionistas. Além disso, o HSVP continua comprando equipamentos para essas UTIs como respiradores, monitores e bombas de infusão. Segundo Victor, essas últimas estão difíceis de encontrar no mercado devido a grande demanda dos pacientes infectados com o novo coronavírus:  “Geralmente para um paciente de UTI precisamos de duas bombas de infusão. No caso de pacientes com Covid esse número aumenta para em média 7”.

Quanto ao oxigênio, Victor afirmou que o tanque é abastecido de três em três dias, mas que para dar mais segurança, o hospital conseguiu comprar um segundo tanque de O2 que está para chegar. Sobre os medicamentos do “kit intubação”,  diretor agradeceu a parceria e o apoio da Secretaria Estadual de Saúde nesse processo de aquisição e disse que, apesar das restrições nas vendas, o hospital tem estoque para os próximos 3 meses e está sempre comprando o que aparece disponível. 

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Recentemente, o HSVP também investiu em mais um tomógrafo e em novas ambulâncias para melhorar o atendimento aos pacientes. Este segundo tomógrafo ainda não está em uso e mesmo assim, o hospital está realizando uma média 1500 tomografias por mês, exame essencial para detecção do novo coronavírus e para o monitoramento da evolução do quadro dos pacientes. Máquinas de hemodiálise também têm passado constantemente por manutenção, garantindo sempre a disponibilidade de duas máquinas por Unidade de Terapia Intensiva. Muitos pacientes internados com Covid têm os rins afetados, principalmente os que estão intubados, por isso esses equipamentos são tão importantes.

 

“Fomos ousados para poder construir o que temos hoje, para nos estruturarmos. Não pensamos no dinheiro, só em salvar vidas. Por isso temos conseguido cumprir nosso papel. Temos medo? Sim, mas não nos acovardamos. Estamos trabalhando há um ano. Achamos que estava acabando, mas não.”, desabafou o diretor administrativo. Victor também deixou uma mensagem para a população: “Para sairmos dessa mais fortes precisamos valorizar a vida, valorizar o ser humano, os profissionais da saúde, olhar com carinho para a gestão hospitalar. Precisamos entender a importância de cuidar da vida e da família. Estamos vendo que tudo é passageiro. Precisamos andar de mãos dadas, tolerar mais, reclamar menos. Lutar juntos e sermos fortes”.